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Alergia Alimentar

Nos lactentes não amamentados ao seio, utilizando fórmulas com base na proteína do leite de vaca, pode ocorrer alergia tanto à caseína quanto às outras proteínas do soro do leite, incluindo a alfa-lactoalbumina, a albumina e a lactoferrina. A alergia à proteína láctea beta-lactoglobulina é a mais freqüente nestas crianças.

Alergia ao leite de vaca é definida como uma reação de hipersensibilidade, ocasionando uma resposta imune às suas proteínas. As manifestações clínicas são classificadas em imediatas ou tardias, envolvendo órgãos ou tecidos como a pele e os tratos gastrintestinal e respiratório (Quadro 1).16

           Quadro 1- Sinais e sintomas de crianças com suspeita de alergia ao leite de vaca27, 19

  • vômitos e/ou diarréia, fezes com sangue, constipação,
  • cólicas, distensão abdominal, refluxo gastroesofágico
  • eczema, urticária, rinite, asma
  • falha no crescimento, irritabilidade

Diagnóstico clínico: é feito em crianças que manifestam reações alérgicas imediatamente após a ingestão de pequenas quantidades de leite, podendo ser difícil nos casos com reações tardias.

Dado de importância na anamnese é a história familiar de atopia e/ou alergia alimentar. Este é um dos mais importantes fatores de risco para alergia ao leite de vaca, sendo um alerta ou indicador de risco para adoção de medidas preventivas para a manutenção e incentivo da alimentação ao seio, especialmente durante o 1o ano de vida.

Os sintomas e sinais clínicos mais comuns consistem na diarréia e/ou vômitos, cólicas intensas, distensão abdominal, eczema e outros sinais de atopia cutâneos. Sinais de maior gravidade incluem fezes com sangue, manifestações respiratórias com crises de sibilância e em alguns casos, menos comuns, reações do tipo anafilático. A falta de ganho ponderal é freqüente, muitas vezes associada aos vômitos e diarréia .

Tabela 4- Manifestações clínico-laboratoriais da alergia à proteína do leite de vaca (Hill, 1996)

Tempo de reação

· Imediato

· Intermediário

· Tardio

Volume de leite de vaca

Pequena quantidade

Moderada quantidade

Grande quantidade

Pele

Urticária
Rash morbiliforme

__________

Eczema

Intestino

Vômitos

Vômitos e/ou diarréia

Diarréia

Respiratório

Sibilos

__________

__________

Diagnóstico

Eosinófilos, IgE, “RAST”

Eosinófilos, IgE, “RAST”

Teste de contato (“PATCH”)

   

Teste de provocação

 

Diagnóstico laboratorial: pode ser feito nas alergias com reações imediatas, que são mediadas por IgE, através de testes como os de punctura cutânea (prick test) e do RAST (radio alergoabsorbent test), embora os testes falsos positivos sejam comuns. Por este motivo, é importante o diagnóstico precoce durante o 1o ano de vida, quando as reações falso positivas são menos freqüentes que nas crianças maiores.

Nas reações intermediárias que desenvolvem-se algumas horas após ingestão de pequenas quantidades de leite, também predominantemente IgE mediadas, podem-se efetuar os mesmos testes descritos.

As reações tardias são mediadas principalmente através da imunidade celular e da IgE, ocorrendo dias após a ingestão do leite de vaca. Nesta situação, o diagnóstico laboratorial pode ser difícil, mesmo utilizando-se testes como os de contato (patch test).

Outro teste utilizado, porém de certa complexidade na sua execução, é o da eliminação do antígeno e a realização dos denominados testes duplo cegos de provocação, que consistem em alimentar a criança com fórmula placebo (dieta elementar) e introduzir, segundo protocolo pré-estabelecido, pequenas quantidades de leite de vaca ou de antígeno purificado. Este teste, dependendo da gravidade do caso, deverá ser feito em ambiente hospitalar 16;18 (Tabela 4).

Tratamento: A principal medida terapêutica na alergia ao leite de vaca é evitar totalmente a sua ingestão e a de seus derivados. As manifestações clínicas melhoram após a retirada do leite da dieta. A eliminação do antígeno, além de aliviar os sintomas, preserva a função da barreira intestinal e reverte os distúrbios da imunidade celular e humoral, prevenindo a absorção de outros antígenos estranhos, além da proteína do leite da vaca. 16; 17

No caso de lactentes alimentados com leite humano, a proteína do leite de vaca deve ser excluída da dieta materna e o aleitamento natural mantido da forma mais prolongada possível.30

A substituição das fórmulas contendo proteína de leite de vaca pelas fórmulas com base na proteína isolada da soja é freqüentemente utilizada. No entanto, a criança também poderá apresentar alergia de freqüência variável a esta proteína. 6;18 Da mesma forma, os leites de cabra e de ovelha não são adequados para crianças alérgicas ao leite de vaca, devido ao risco de reação cruzada. 30

Nesta situação, o uso dos hidrolisados protéicos ou dietas semi-elementares poderá estar indicado pelo fato de que o processo de hidrólise das proteínas diminui sua alergenicidade, sendo os epítopos alergênicos degradados durante este processo (epítopo é o sítio de ligação específico do antígeno que é reconhecido por um anticorpo ou por um receptor de superfície de linfócito T).

As fórmulas à base de aminoácidos (elementares), não são desenvolvidas a partir da hidrólise de uma proteína, mas a partir da mistura de aminoácidos sintéticos, sendo estas fórmulas consideradas “não-alérgicas”.30 As fórmulas elementares estão reservadas para uso em um subgrupo de pacientes altamente alérgicos que não toleram os hidrolisados. Estes pacientes apresentam extenso eczema atópico, manifestações gastrintestinais graves e podem ter múltiplas intolerâncias alimentares e, conseqüentemente, necessitam regimes dietéticos altamente restritivos 2; 10; 17.

De Boissieu et al10 estudando 16 crianças com reações adversas a hidrolisados protéicos verificou que sinais e sintomas não-clássicos de alergia como irritabilidade, choro freqüente, recusa alimentar, falha no crescimento, rinite e tosse podem ser resultado de alergia ao hidrolisado. Este estudo ainda sugere que a alergia a hidrolisados protéicos poderia alcançar aproximadamente 10% das crianças alérgicas ao leite de vaca.

Recomenda-se que lactentes com alergia ao leite de vaca recebam hidrolisados protéicos pelo menos até os 18 meses de vida, quando então a criança  poderá ter desenvolvido tolerância à proteína alergênica.18

 DIARRÉIA PERSISTENTE NA CRIANÇA

A diarréia em lactentes e crianças de baixa idade pode ocorrer por diversos motivos: as gastroenterocolites são as mais comuns, cuja etiologia predominante são os vírus e bactérias e necessitam, como manejo adequado, a manutenção do estado de hidratação, auto limitando-se em poucos dias de evolução.

No entanto, há crianças que apresentam diarréia persistente (duração superior a 14 dias) com perdas fecais acentuadas e síndrome de má-absorção, acompanhada de comprometimento do estado nutricional e sem diagnóstico estabelecido. Quando acomete lactentes menores de três meses são diarréias de evolução freqüentemente grave 4.

Após o período de infecção da diarréia, é comum a criança apresentar-se temporariamente sensibilizada às várias proteínas da dieta e com intolerância aos carboidratos. Dentre os mecanismos propostos para manutenção da diarréia persistente, é de importância a absorção de moléculas antigênicas da dieta, em particular do leite de vaca, e o prejuízo dos mecanismos imunológicos do intestino. As alterações fisiopatológicas nesta situação estão demonstradas na Figura 4 21.

Figura 4- Fisiopatologia da diarréia persistente (KODA, 1996)

A desnutrição que acompanha crianças com diarréia persistente é motivo fundamental no desencadeamento da síndrome de má-absorção por atrofia da mucosa intestinal, decorrente das perdas nitrogenadas fecais e da falta de suporte nutricional adequado. Este aspecto foi por nós estudado há mais de 20 anos  em crianças no período neonatal, sendo que a terapêutica proposta naquela ocasião foi a nutrição parenteral por veias periféricas, com resultado satisfatório 15.

Terapêutica nutricional: Atualmente, a terapêutica nutricional da diarréia persistente está baseada no uso das fórmulas semi-elementares constituída por hidrolisados protéicos. As fórmulas à base de proteína de soja purificada podem sensibilizar a criança, tal como ocorre com as fórmulas de leite de vaca.

Nos casos de maior gravidade, que não apresentam melhora da diarréia com o uso dos hidrolisados protéicos, o próximo passo lógico é a introdução das dietas elementares baseada em aminoácidos.

As fórmulas artesanais constituídas pela dieta de frango modularizada podem ser uma opção terapêutica para estas crianças 26; no entanto, deve-se cuidar para que a ingestão protéica não seja excessiva, adicionando-se outros macro e micronutrientes de forma balanceada 27.

A nutrição parenteral está reservada nos casos que evoluem mal, com grave intolerância alimentar e má-absorção 22; 32.

Suporte Nutricional na   Síndrome do intestino curto

A síndrome clínica que resulta na ressecção maciça do intestino delgado é causada por diversas condições de gravidade que afetam este órgão, como a enterocolite necrosante, a gastrosquise e onfalocele, o volvo e a intussuscepção intestinal, as obstruções intestinais, dentre outras causas. O prejuízo nutricional dependerá do local e comprimento da remoção cirúrgica, o que ocasionará diarréia e absorção reduzida de todos os nutrientes, minerais e vitaminas. A má-absorção dos carboidratos leva à diarréia osmótica e ao excesso de produção de ácidos graxos de cadeia curta, resultando em acidose, desidratação e desbalanço eletrolítico. A longo prazo, os efeitos da desnutrição comprometem o crescimento da criança.

Terapêutica nutricional: A nutrição parenteral total é a terapia inicial mais freqüente para estas crianças, mesmo nas pequenas ressecções.

No entanto, alguma nutrição enteral deverá ser instituída precocemente visando promover o trofismo intestinal, encorajando, nos lactentes, a manutenção da coordenação sucção-deglutição, e prevenindo o aparecimento da colestase associada à nutrição parenteral.

Os pacientes com menor redução do intestino e aqueles que conservam a válvula íleo-cecal toleram melhor a alimentação enteral precoce e os incrementos de volume da dieta 28.

O leite humano, quando disponível, tem primordial importância pela sua composição nutricional e fatores hormonais tróficos.

De maneira geral, durante a fase de adaptação pós-ressecção, os nutrientes devem ser simples, hidrolisados e de baixa osmolaridade sendo oferecidos de forma modularizada em pequenos volumes. As dietas semi-elementares têm indicação, sendo que os dipeptídios parecem ter melhor absorção que os aminoácidos livres 28.

No entanto Bines e col (1998)5 obtiveram bons resultados utilizando uma dieta de aminoácidos com baixa osmolaridade em crianças que vinham recebendo nutrição parenteral por período prolongado, por não tolerarem adequadamente hidrolisados protéicos. Neste estudo, com a introdução gradativa da fórmula elementar, foi possível suspender a nutrição parenteral.

Doença inflamatória intestinal: Doença de Crohn

A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal de etiologia obscura, que pode afetar qualquer porção do trato gastrintestinal, sendo mais comum o acometimento do intestino delgado. A ativação dos linfócitos T intestinais parece ser o principal ponto na fisiopatologia da doença, sendo comum a presença de granulomas intestinais não caseosos. Devido ao caráter invasivo da doença no intestino, podem ocorrer aderências e formação de fístulas. A sua incidência tem aumentado, sendo raro em crianças com idade inferior a 9 anos 23.

Os sintomas clínicos consistem em dor abdominal, anorexia, diarréia e vômitos, o que prejudica sobremaneira o estado nutricional do paciente. Freqüentemente, a criança ou o adolescente apresenta-se depressivo e sem apetite. As condições de estresse familiar ou escolar tendem à exacerbação da doença.

Terapêutica nutricional: Nos últimos anos, o uso das dietas elementares na doença de Crohn tem sido o tratamento padrão de muitos serviços. Estas dietas são utilizadas por dois motivos, quais sejam, induzir remissão e como suporte nutricional, o que melhora o quadro da desnutrição.

Há claras evidências que a dieta elementar é fator adjuvante na remissão da doença e diminui o uso de corticosteróides, o que é benéfico em termos da promoção do crescimento 27. A forma de administração é por via oral em pequenos volumes; no entanto, a alimentação por sonda é a mais utilizada, por assegurar as necessidades nutricionais destes pacientes.    

Suporte nutricional na síndrome colestática do lactente

A colestase aguda ou crônica que acompanha a doença hepática provoca má-absorção de nutrientes e esteatorréia, causando desnutrição calórico-protéica acompanhada de anorexia e redução da massa muscular.

A má absorção que segue a colestase é devida principalmente à má digestão das gorduras, que, deixando de apresentar emulsificação adequada, não é absorvida, provocando esteatorréia, deficiência na absorção de outros nutrientes e conseqüências sobre o estado nutricional 3.

Terapêutica nutricional: As necessidades calóricas estão aumentadas nesta situação, e a dieta deve conter pelo menos 3g/Kg/dia de proteínas. No caso de insuficiência hepática, discute-se a necessidade de maiores concentrações de aminoácidos de cadeia ramificada.

 A dieta de recém-nascido com síndrome colestática na fase inicial da doença deve ser constituída por leite humano. Estes pacientes, mesmo recebendo leite humano, são aconselhados a complementar a dieta com fórmulas que contêm LCPUFAS, o que previne a deficiência de ácidos graxos essenciais e melhora o ganho de peso, sendo recomendada a ingestão de 300 mg de ácido linoléico para cada 100 kcal/Kg/dia de energia 20. A suplementação da dieta com triglicerídios de cadeia média (TCM) contendo 85% de ácidos graxos de cadeia média e curta em sua composição foi amplamente utilizada até a última década, porém contém quantidades mínimas de ácidos graxos essenciais, provocando  deficiência após mais ou menos 30 dias de uso. Outros preparados de TCM contendo menor proporção de ácidos graxos de cadeia média e curta e o restante de cadeia longa podem ter absorção parcial, porém são preferíveis à longo prazo 25.

Devido à necessidade de suplementar ácidos graxos essenciais,  preparados contendo ácidos linoléico, linolênico e seus derivados têm sido utilizados.

Dentre as fórmulas semi-elementares, indica-se as que contêm TCM e ácido linoléico. As fórmulas que contêm LCPUFAS incluindo AA (ácido araquidônico) e DHA (ácido docosahexaenóico) apresentam proporção mais adequada entre os ácidos graxos ômega-6 e ômega-3, composição de interesse na nutrição de crianças com síndrome colestática  3.

Colestase relacionada à nutrição parenteral prolongada:

É complicação freqüente em crianças que necessitam suporte parenteral prolongado nas graves afecções do trato gastrintestinal, como na síndrome do intestino curto e no recém-nascido pré-termo, especialmente naqueles infectados e em jejum prolongado. Caracteriza-se por icterícia, hepatomegalia, colúria e raramente acolia fecal. As enzimas canaliculares (fosfatase alcalina, Gama GT, DHL) estão aumentadas; porém, as que indicam dano hepatocelular (TGO, TGP) estão pouco alteradas. Nesta situação, a suspensão da nutrição parenteral acompanhada de suporte nutricional enteral está indicada, o que melhora a colestase. 12

Terapêutica nutricional: A nutrição enteral deve ser introduzida o mais precocemente possível (nutrição enteral mínima) nos casos de manutenção da nutrição parenteral e o substrato nos lactentes, sempre que possível, deve ser o leite materno14. Na sua ausência, e no caso de doença intestinal ocasionando disfunção da digestão e/ou absorção e comprometimento do trofismo da mucosa intestinal, agravado por jejum prolongado e desnutrição, está indicada a realimentação com as fórmulas semi-elementares; no caso de grave intolerância alimentar, indica-se as fórmulas elementares.

Deve-se observar que, muitas das indicações de nutrição parenteral prolongada em pediatria podem ser substituídas, mesmo com o comprometimento do intestino, por dietas enterais semi-elementares ou elementares. Isto certamente é mais vantajoso para a recuperação do paciente, além reduzir as complicações e os custos associados à nutrição parenteral 29.

FORMULAS INFANTIS: DIETAS ELEMENTARES E SEMI ELEMENTARES

Introdução:

O desenvolvimento técnico-científico das fórmulas para uso pediátrico trouxe a possibilidade de nutrir crianças gravemente enfermas, com intolerâncias alimentares por má-absorção ou alergia aos componentes comuns das fórmulas infantis, ou ainda, portadores de alguns erros inatos do metabolismo, onde a exclusão seletiva de determinado nutriente é a base da terapêutica.

Dentre as diversas fórmulas propostas para a terapêutica destas condições referidas, destacam-se as fórmulas denominadas elementares ou semi-elementares.

Estas fórmulas são utilizadas freqüentemente na nutrição de crianças por via enteral, mesmo quando o trato gastrintestinal acometido por patologias diversas é pouco funcionante.

Atualmente destaca-se o interesse por esta modalidade de nutrição, devido ao fato de que a falta de estímulo do alimento leva a:

-         piora do trofismo intestinal ocasionando má-absorção e conseqüente desnutrição,

-         translocação bacteriana

-          desenvolvimento da denominada sepse endógena, condição comum em crianças internadas em regime de terapia intensiva 7,14.

As fórmulas elementares e semi-elementares não são substitutas do leite materno e não estão indicadas para crianças sadias, devendo ser utilizada sempre sob orientação estrita do médico ou nutricionista.

2.    Classificação  das fórmulas para uso pediátrico:

Os tipos básicos de fórmulas podem ser classificados de acordo com a sua composição nutricional em:

-         fórmulas completas: com todos os macronutrientes, quais sejam, proteínas, gorduras, carboidratos, minerais, oligoelementos e vitaminas;

-          fórmulas incompletas: devido à falta de um dos macronutrientes, sendo freqüentemente apresentada na forma de módulos constituídas por um único nutriente como por exemplo, os módulos de proteínas ou aminoácidos, de gorduras, constituído por triglicerídios de cadeia média, ou ainda, os chamados suplementos dietéticos composto por proteínas e vitaminas.

De acordo com a complexidade dos macronutrientes, as fórmulas também podem ser classificadas em:

-         poliméricas: contêm os macronutrientes de forma complexa, estando as proteínas presentes na sua forma natural ou purificada (caseína, soro de leite ou soja); analogamente, os carboidratos estão na forma de dissacarídios, oligossacarídios ou polissacarídios e os lipídios presentes como mistura de ácidos graxos poliinsaturados de cadeia média e longa. Estas fórmulas, por conter nutrientes de alto peso molecular, apresentam baixa osmolaridade.

-         oligoméricas: contêm peptídios e aminoácidos na forma livre; os carboidratos estão na forma de oligo ou polissacarídios, e os lipídios sob a forma de triglicerídios de cadeia média e longa (Tabela 1).

Tabela 1 – Classificação dos tipos de fórmulas

  • COMPLETAS 
    • Poliméricas
      • Proteínas naturais
      • Proteínas purificadas (caseína / proteínas do soro do leite / soja)
    • Oligoméricas
      • Elementares (aminoácidos livres)
      • Semi-elementares (proteína altamente hidrolisada)
  •  
  •  
  •  
  • INCOMPLETA 
    • Modulares
    • Suplementos dietéticos

 

 

 

 

 

 

Adaptado de CARRAZZA, 1992 7

3.     Definição e composição das fórmulas elementares e semi-elementares:

As fórmulas semi-elementares e elementares são definidas como oligoméricas por conter peptídios e aminoácidos na forma livre; no entanto, são formulações completas e atendem às recomendações nutricionais do Codex Alimentarius (1994). 8

          A proteína pode ser apresentada sob a forma de hidrolisado de proteínas do leite, como a caseína e lactoalbumina, ou hidrolisados da proteína de soja e colágeno; nas fórmulas elementares, os aminoácidos estão na sua forma livre.

Os lipídios destas fórmulas são fornecidos em quantidades variáveis, freqüentemente como triglicerídios de cadeia média (TCM) e ácidos graxos poliinsaturados essenciais (AGE). Quanto aos carboidratos, estão na forma de polímeros de glicose, maltodextrina e amido pré-gelatinizado ou pré-cozido, visando melhor digestibilidade e redução da osmolaridade destas fórmulas 7.

As vitaminas, minerais e oligoelementos estão presentes segundo as recomendações do Codex Alimentarius FAO/OMS.

A composição das fórmulas elementares e semi-elementares utilizadas em pediatria estão resumidas na tabela 2.

Tabela 2- Composição das fórmulas elementares e semi-elementares utilizadas em pediatria.

Fórmulas

Proteína

Lipídios

Carboidratos

Elementar

aminoácidos livres

Óleos de açafrão, coco e soja

maltodextrina

Hidrolisados protéicos

soja e colágeno

Óleos de palma, coco, girassol e semente de colza

maltodextrina, amido

 

caseína

Óleos de milho, soja, açafrão, TCM

polímeros de glicose, amido

 

Proteína do soro do leite

Gordura láctea, óleo de milho, TCM

maltodextrina, amido

4.    Digestão e absorção das fórmulas elementares e semi-elementares

Proteínas:

A digestão das proteínas inicia-se pela proteólise, através das enzimas secretadas pelo pâncreas. O ataque enzimático rompe as cadeias da proteína, tendo como produto final peptídios e aminoácidos livres, que são absorvidos pelo enterócito mediante transporte ativo (Figura 1). Nesta célula, as peptidases presentes no citoplasma hidrolisam os peptídios remanescentes para aminoácidos. Estes são transportados para o fígado através da veia porta e processados e convertidos nas diversas proteínas circulantes como albumina, imunoglobulinas e outras 9.

Figura 1- Digestão das proteínas

As proteínas hidrolisadas das fórmulas semi-elementares através de tratamento químico ou enzimático são transformadas em oligopeptídios (pequenos di ou tripeptídios), moléculas pequenas, de reduzido poder antigênico, que entram no enterócito pelo mecanismo descrito.

 De acordo com o grau de hidrólise, as fórmulas podem ser classificadas como:

-         extensamente ou altamente hidrolisadas : apresentam a maior parte de sua proteína com peso molecular inferior a 1200 Dalton, sendo que estas fórmulas devem ser toleradas por pelo menos 90% dos indivíduos alérgicos;

-         parcialmente hidrolisadas: freqüentemente indicadas para prevenção da alergia; no entanto, estas fórmulas  não são consideradas semi-elementares. 18;30

            Os aminoácidos livres obtidos de forma sintética presentes nas fórmulas elementares são absorvidos por diferentes sistemas de transporte o que permite assegurar adequada captação de aminoácidos, mesmo em condições de digestão e absorção intestinal comprometidas por processos patológicos diversos.

Em lactentes no 3o ou 4o mês de vida, foi demonstrado que a mucosa intestinal permite a absorção de pequenas quantidades de gamaglobulina e outros peptídios de grande peso molecular, que não sofrem proteólise ao nível do enterócito, e alcançam a circulação sistêmica ocasionando ação imuno-alérgica 11; 16.

Desta maneira, a permeabilidade da mucosa intestinal pode estar aumentada em diversas doenças gastrintestinais, o que freqüentemente ocasionará sensibilização e intolerância às dietas de uso comum.

Lipídios:

 A Academia Americana de Pediatria1 recomenda que crianças recebam 30% das necessidades nutricionais sob a forma de gorduras; no entanto, as fórmulas elementares e semi-elementares tendem a seguir os padrões do leite humano, que contém aproximadamente 50% das calorias sob a forma de gorduras.31

As gorduras são hidrolisadas pelas lipases da língua e do estômago; posteriormente, no intestino delgado, ocorre a ação da colipase e lipase pancreática, resultando na quebra da molécula do lipídio em mono di ou triglicerídios, que formam micelas pela ação da bile. Desta forma, são absorvidos por difusão passiva pelo enterócito transformando-se nos quilomicrons, sendo então transportados pelos ductos linfáticos e pela corrente sangüínea para os tecidos (Figura 2).

Figura 2- Digestão das gorduras

Os TCM, muito utilizados nas formas elementares e semi-elementares, são ácidos graxos de cadeia média que contém de 6 a 12 carbonos. São encontrados na sua forma natural em óleos vegetais como os de coco e palma (babaçu) e no leite, em menores quantidades. Por serem lipídios com alta solubilidade e moléculas pequenas, são facilmente hidrolisados pelas lipases em ácidos graxos e glicerol, sendo absorvidos pelo intestino sem a necessidade dos ácidos biliares em função da sua alta solubilidade. Mesmo na ausência da lipase pancreática ocorre considerável absorção dos TCM. Ao nível do enterócito, seus produtos não sofrem esterificação, sendo então lançados na circulação portal e aproveitados basicamente como fonte de energia, não havendo sua incorporação nos tecidos. Deste fato, decorre a necessidade de introdução de AGE nestas fórmulas, especialmente nas crianças de baixa idade com rápido crescimento somático e, em especial, do sistema nervoso central 3;9.

O uso de TCM nas fórmulas deve ser criterioso também pelo fato do leite humano conter baixos níveis de TCM, e o seu excesso poder levar à produção de ácidos dicarboxílicos circulantes. Já os triglicerídios de cadeia longa, especialmente os insaturados, também apresentam fácil digestão, absorção e funções essenciais, pois participam da formação de membrana celular, fornecem os AGE, modulam o sistema imune e transportam vitaminas lipossolúveis. Devido a isto, as novas fórmulas tendem a contemplar maior proporção de triglicerídios de cadeia longa insaturados. 31

Carboidratos:

Os carboidratos estão disponíveis na forma de amido e polímeros de glicose. O amido é hidrolisado pela amilase em maltose, alfa-dextrinas e maltotrioses. Estas moléculas são novamente hidrolisadas pelas oligossacaridases (sacarase-isomaltase, lactase-hidrolase e maltase-glicoamilase) em monossacarídios que não requerem hidrólise para absorção intestinal, sendo então absorvidos por mecanismo de difusão simples, contra gradiente de concentração, o que necessita de energia. Este mecanismo de absorção da glicose e da galactose está acoplado ao transporte de sódio (Figura 3).

Figura 3- Digestão dos carboidratos

Glicose:

Os carboidratos são mais utilizados para aumentar a densidade calórica das fórmulas, sendo que os polímeros da glicose de cadeia longa têm menor osmolaridade que os oligo ou monossacarídios. Por este motivo, são mais utilizados nas fórmulas elementares e semi-elementares. Além disto, apresentam melhor digestibilidade, em função da presença das três isomaltases intestinais, que são menos afetadas que as outras oligossacaridases nas diversas doenças gastrintestinais 9.

5.    Uso e indicação das fórmulas elementares e semi-elementares em Pediatria

Pelas suas características de alta digestibilidade e hipoalergenicidade dos macronutrientes presentes nas fórmulas elementares e semi-elementares, elas estão indicadas em diversas condições patológicas da criança. Destacam-se as afecções gastrintestinais, como as síndromes de má-absorção de diversas etiologias e as alergias alimentares às fórmulas de uso comum para lactentes com base em proteína de leite de vaca ou de soja. Estas fórmulas são também indicadas, com freqüência, como dieta enteral através de sondas ou estomias em crianças desnutridas, com comprometimento do trato gastrintestinal (tabela 3).

Tabela 3- Principais indicações das fórmulas elementares e semi-elementares em pediatria

 GASTRINTESTINAIS:

  •  Intolerâncias alimentares / alergias
  •  Má-absorção/Diarréia persistente
  •  Síndrome do Intestino Curto
  •  Doenças Inflamatórias Intestinais (Crohn)

HEPATOPATIAS:

  •  Síndrome colestática do recém-nascido e lactente
  •  Colestase associada à nutrição parenteral

NUTRIÇÃO ENTERAL:

  •   Prejuízo da digestão / absorção
  •  Seqüência de nutrição parenteral

Considerações finais:

As dietas elementares e semi-elementares são indicadas em diversas patologias da criança que prejudicam a sua capacidade de digestão e absorção, o que freqüentemente ocasiona desnutrição e suas conseqüências, com piora do estado de saúde e agravo da doença de base.

A utilização destas dietas deve ser criteriosamente avaliada pelo médico, nutricionista ou, no ambiente hospitalar, pela equipe de terapia nutricional que atende a criança doente.

Deve-se reiterar que muitas das condições patológicas referidas nesta monografia têm, como melhor prevenção e terapêutica, a manutenção do aleitamento materno que deve ser incentivado por todos aqueles responsáveis pela promoção da saúde da criança.

BIBLIOGRAFIAS ÚTEIS EM PEDIATRIA:

FONTES DE CONSULTA REFERENTES AOS TEXTOS:

  • Alergia alimentar na criança
  • Diarréia persistente
  • Síndrome colestàtica
  • Síndrome do intestino curto
  • Formulas elementares e semielementares em pediatria
  • Doença de Crohn

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